- Você deve ser a filha de John Ferrier - observou. - Vi quando saiu cavalgando de casa. Quando estiver com ele, pergunte-lhe se lembra dos Jefferson Hope, de Saint Louis. Se é o mesmo Ferrier, meu pai e ele foram muito ligados.
- Não seria melhor ir lá em casa fazer-lhe a pergunta diretamente? - perguntou com cuidado.
O rapaz pareceu gostar do que ela sugeria. Seus olhos escuros brilharam de satisfação.
- Farei isso - disse. - Passamos dois meses nas montanhas e não estamos nada apresentáveis para visitas. Terá que nos aceitar como estamos.
- Papai tem muito a agradecer-lhe e eu também - respondeu. - Ele me quer múito. Se aquele gado me pisoteasse, ele jamais se recuperaria.
- Nem eu - disse o rapaz.
- Você? Bem, não vejo em que faria alguma diferença para você. Sequer é nosso amigo.
O rosto do rapaz ficou tão triste com a observação que fez Lucy Ferrier sorrir.
- Não quis dizer isso - ela comentou. - Naturalmente, a partir de agora você é um amigo. Venha nos ver. Agora preciso ir ou papai não me confiará mais seus interesses. Adeus.
- Adeus - respondeu ele, erguendo o chapéu de abas largas e inclinando-se sobre a mão miúda da jovem.
Ela fez o cavalo dar volta, chicoteou-lhe com o rebenque e disparou como uma flecha pela ampla estrada, erguendo uma nuvem de poeira.
O jovem Jefferson Hope voltou para junto de seus companheiros triste e taciturno. Estivera com eles nas Montanhas Nevadas em busca de prata e voltavam agora para Salt Lake City na esperança de levantar capital suficiente para a exploração de veios que haviam descoberto. Como os outros, havia se fixado nesse pensamento até que o repentino incidente o levasse para outra direção.
A visão daquela bela moça, franca e saudável como as brisas da Sierra, atiçara intensamente seu coração inflamado e selvagem. Quando ela desapareceu de sua vista, percebeu que uma crise irrompera em sua vida e que nem as especulações com a prata nem qualquer outra questão seriam de tanta importância para ele como este novo e absorvente interesse. O amor que brotava em seu coração não era a repentina e volúvel fantasia de um rapazinho, mas a paixão feroz e selvagem de um homem de vontade forte e temperamento dominador. Costumava ter sucesso em todos os empreendimentos. Jurou a si mesmo que não falharia agora, se a vitória dependesse do esforço e da perseverança de que um homem é capaz de ter.
Visitou John Ferrier nessa mesma noite, e muitas vezes depois, até seu rosto se tornar familiar na propriedade. Isolado no vale e absorvido em seu trabalho, John tivera poucas oportunidades de saber o que se passara no mundo exterior nos últimos doze anos. Jefferson Hope pôde informá-lo a respeito de uma maneira tal que interessou tanto ao pai quanto à filha. Havia sido pioneiro na Califórnia e contou muitas histórias estranhas sobre fortunas feitas e desfeitas naqueles dias desregrados. Também fora batedor, laçador, explorador de prata e vaqueiro. Onde quer que houvesse aventuras, lá estava Jefferson Hope. Em pouco tempo, tornou-se o amigo preferido do velho fazendeiro, que discorria sobre suas qualidades com eloqüência. Nessas ocasiões, Lucy ficava em silêncio, mas o rosto corado e a felicidade nos olhos brilhantes demonstravam com bastante clareza que seu jovem coração não lhe pertencia mais. O pai, sem malícia, pode não ter observado esses sintomas, mas, com certeza, não passaram despercebidos ao homem que havia conquistado a afeição da moça.
Num final de tarde de verão, ele veio galopando pela estrada e parou ao portão. Lucy estava na entrada da casa e veio encontrá-lo. Hope jogou as rédeas sobre a cerca e percorreu com rapidez a senda que conduzia à casa.
- Vou partir, Lucy - disse, tomando as mãos da moça nas suas, e olhando seu rosto com ternura.
- Não vou lhe pedir que venha comigo agora, mas estará pronta para me acompanhar quando eu voltar?
- E quando será? - perguntou ela, enrubescendo e rindo.
- Daqui a dois meses, no máximo. Virei buscá-la e você virá comigo, minha querida. Ninguém poderá impedir isso.
- E papai? - perguntou.
- Ele já consentiu, contanto que mantenhamos aquelas minas rendendo. Não tenho medo quanto a isso.
- Bem, é claro que se você e papai já combinaram tudo, não há mais nada a dizer - murmurou ela com o rosto apoiado no peito largo do rapaz.
- Graças a Deus! - disse ele com voz rouca, inclinando-se para beijá-la. - Está tudo resolvido, então. Quanto mais eu me demorar, mais difícil será partir. Estão me esperando no canyon. Adeus, minha querida... adeus! Voltará a me ver dentro de dois meses.
Separou-se dela enquanto falava e, saltando sobre o cavalo, galopou com fúria, sem olhar ao redor, como se temesse abalar sua decisão se contemplasse o que estava deixando. Ela permaneceu no portão, olhos postos nele até que desaparecesse na distância. Caminhou, então, de volta a casa e era a moça mais feliz de todo Utah.
Capítulo 3
john ferrier fala com o profeta